Continuemos mais "um bocadinho"
2º Dia:
Com a mudança da hora, mais uma vez não saio à hora que pretendia. Sempre serviu para repousar o esqueleto, já que estava maçado da viagem de ontem – afinal não estou habituado a estas andanças em cima de duas rodas apenas!
Toma-se um pequeno-almoço beirão, voltamos a equiparmo-nos como manda a segurança e faço-me ao caminho. Primeira paragem foi perto – primeira área de serviço da A24 – falta o cafezinho da ordem!
Uma velocidade agradável na ordem dos 100 km’s/hora. Entre Castro Daire e Lamego, abranda-se para os 70/80. O vento está valente – ainda bem que a top-case ficou na “terra”. E mais tarde durante o dia, era mesmo esse o pensamento constante!
Chega-se à Régua e vamos à foto da ordem na Estação. Daí vamos à procura do posto de abastecimento com o desconto do cartão. A simpatia do funcionário era excepcional!!!
Vamos à procura do quartel dos Bombeiros. Teve sorte, foi dos poucos que teve a felicidade de ser fotografado. Mas mais adiante, percebe-se porquê. Do quartel para a beira rio, achava eu buscando a minha memória fotográfica, havia um caminho. Não o encontrei, aliás, andei às voltas por ruas empedradas, mas valeu a pena o desvio – o cruzeiro era giríssimo.
Daí até ao primeiro apeadeiro, foi de memória. Fiz-me à antiga passagem de nível conforme vi tantos a fazer – a direito. Ora bolas e o buraco? Começava o sofrimento da mota – e dos meus ombros! Lá encontrei o acesso em terra batida, meio enlameado e com calçada à mistura. Nas calminhas lá cheguei ao apeadeiro do Corgo. Nota-se as obras recentes do início do milénio, mas a desolação começava – tanto as oficinas que aí se encontram já mostram sinais de vandalismo e os carris, onde estão os carris que foram arrancados para as obras de melhoramento da via no inicio do milénio?
Como tinha poupado o telefone com a aplicação dos mapas on-line (que no dia anterior serviu de experiência entre Tomar e a “terra”, e gastou-me a bateria toda em pouco mais de 2 horas), chega a altura de começar a inserir coordenadas – o trabalho de casa tinha sido feito, logo há que dar uso à coisa.
Apeadeiro de Tanha fechado ao trânsito; paro em contramão numa curva, não estou lá muito seguro, mas sempre consigo tirar uma foto ao telhado do edifício e à ponte ferroviária. Daí sigo até ao apeadeiro seguinte – Alvações. Quando lá chego tenho uma surpresa: o chão da linha não está bloqueado, está em terra batida e não há qualquer tipo de sinalização a contrariar a minha pancada! Siga! Pelo caminho nota-se que já em tempos áureos se preocupavam com a segurança das populações. Diversas placas de “Pare, escute e olhe” ainda se aguentam de pedra e cal, no atravessamento de caminhos agrícolas.
Até Povoação arrependi-me… Devagar, devagarinho, pedra solta, ramos espalhados, erva húmida no meio, lama de quando em vez. Cruzo-me com um casal de caminheiros. Meto conversa, são holandeses. Se eu fiquei surpreendido de ver alguém no meio do mato, creio que eles também, sobretudo de mota! Explicação do que andava por ali a fazer, um pouco de história ferroviária, despedimo-nos com votos de boa viagem. Se eu estivesse na estrada principal, teria tido este pequeno aparte?! Entretanto recebo um aviso do nosso querido São Pedro – começa a pingar e eu ainda no meio do “atalho”. Ai mãe, já estaria a ouvir das boas se soubesses!
Chegado a Povoação, dei-me conta que gastei mais de meia hora para fazer um trajecto de 4 km’s apenas! Começo a ponderar o que vou deixar de fazer. Mas a caminho de Vila Real, ainda consigo tirar uma foto à Estação de Carrazedo da estrada principal – não é a mesma coisa, mas satisfaço-me assim!
Começa a cair chuva, está na hora de começar a pensar no impermeável. Mas começo com cólicas!!! Encontro uma paragem de autocarros abrigada, páro aí uns minutos a torcer-me com dores, visto, não visto, que fazer? Que se dane, vou entrar para Vila Real, o primeiro tasco, restaurante, taberna, tenho de me safar! Por sorte, encontro a mesma cadeia de fast-food do dia anterior. Porreiro, faço tudo!!!
Enquanto como, começo a fazer contas. São duas da tarde e ainda estou em Vila Real, ainda não cheguei ao objectivo principal que é o Km 0, estou em devaneios a ver apeadeiros e estações, daqui a seis horas escurece, estou ainda a mais de 60 km’s de Chaves e está a cair uma borrasca como se não houvesse dia seguinte. Neste ponto estive quase a desistir de ir a Chaves! Valeu-me uma intervenção de um rapaz da mesa ao lado: “Está a subir ou a descer?”. Intrigado, perguntei-lhe o teor da questão. “Quando estava ao balcão, reparei que não tinha sotaque do Norte, é motard, logo deve estar a fazer a N2!”. Afinal, o rapaz também tinha mota, dois dedos de conversa e um “admiro-lhe a coragem com o tempo que está”, fez-me ver que o objectivo estava próximo. Que se lixe! Vou buscar o preservativo cor de laranja e as sobre-bota. Está a cair cada vez mais, o São Pedro deve querer festa! Mal sabe ele que não é mais teimoso que eu. Os miúdos a olhar enquanto o maluco está uns bons 15 minutos a aprumar-se, para se fazer à estrada.
Decido seguir as indicações da Auto-estrada, esqueço-me completamente dos objectivos secundários. Qual não é o meu espanto, aterro mesmo no meio de Abambres. Ora por aquilo que tinha pesquisado, o apeadeiro ficará do meu lado direito. Não é por causa de uma foto (ou duas) que me atrasarei (mais!).
50 Km’s de borrasca, chuva contínua, vento cortante, rajadas que pareciam jogadores de rugby a placar alguém. Medo? Sim, muito! Viaduto de Vila Pouca de Aguiar se o fiz a mais de 50 Km’s/hora foi demais. Sobretudo por ver a altura a que estou, os raid’s sem protecção nenhuma, o pensamento de queda e quiçá, escorregar pelo meio dos raid’s com direito a queda livre!
Consigo chegar ao cruzamento da N103 e aí desligo o pisca da esquerda (à falta de farol de nevoeiro ou quatro piscas, foi uma forma de me fazer notar um pouco mais na AE). Vou por esta saída, sei que pelo caminho tenho um comboio a vapor na antiga Estação do Tâmega. O São Pedro foi descansar um pouco, lá se mentalizou que não me derrubou pelo caminho. Quando cheguei, constatei com surpresa que essa estação está dentro de propriedade privada. Menos mal, está estimada e o comboio idem. Uma foto de longe, outra da estrada e aponto à Estação de Chaves, términus dessa linha centenária do Corgo.
Dá um certo prazer ver estas construções que foram desactivadas para o uso inicial, serem aproveitadas/recuperadas com outros objectivos. Pelo menos não estão a ficar degradadas, ao sabor dos amigos do vandalismo grátis.
Mais um par de fotos e vamos à procura do Km 0. Bombeiros Flavienses fica aqui do meu lado direito, vamos à foto. Para ir à procura dos da Salvação Pública, tinha de ir fora da cidade. Desculpem, mas já estou a olhar para o relógio!
Eis O objectivo, bem ali no meio da rotunda. Se estivesse a policia à espreita, a multa estava garantida. Afinal fui estacionar bem ali no meio, encostadinho ao marco quilométrico. Foto de máquina, foto de telemóvel, esta última para a partilha nas redes sociais. Sento-me em cima do marco a escrever o texto para a partilha, ouço carros a buzinar. Olho na direcção das buzinadelas; estava um condutor literalmente parado na rotunda, telefone em punho na minha direcção a tirar fotos também. “Não se importa?”. Sorrio para a prosperidade na direcção deste homem, que dá mais uma volta à rotunda e deseja-me boa viagem. Soube tão bem esta pequena simpatia da parte de um desconhecido! E se os flavienses estarão habituados a ver motards a chegar ou partir, suponho que não serão todos os dias que se vêem todos equipados, enfiados dentro de um preservativo cor de laranja, debaixo de um temporal!
Faço-me à estrada. Os pastéis de Chaves ficaram para uma próxima, já passa das 16, não sei o que apanharei pela frente, com os cerca de 170 km’s de Nacional à minha frente e a chuva, a minha companheira que me está a deixar desconfortável. Os apontamentos já não se aproveitam, o papel já está a começar a desfazer-se, de tanta vez que já apanharam água. Vai ser de memória o resto da viagem – as Estações e apeadeiros se os apanhar à beira da estrada, ficarão registados; senão ficará para a próxima. Sim porque hei-de cá voltar, com mais tempo!
Chego a Vidago, vejo a placa de Bombeiros à direita. Vai ser um pequeno desvio, sei que logo por trás tenho o apeadeiro de Campilho. Fotos da praxe e pelo menos este apeadeiro está estimado, não estivesse ele no centro da vila.
Nova surpresa em edifício recuperado. Antiga Estação de Vidago, transformada em balneário pedagógico. Pequenos deleites neste “inicio” de viagem.
Mais à frente, faço uma “acrobacia”. Reparo que mesmo ali ao lado tenho o apeadeiro de Salus. Tás aqui ao lado, travões a fundo e quase me mando para o chão com a guinadela! Aproveito e repouso um pouco, fumo um cigarrito que já está a apresentar os indícios da humidade que está a habitar dentro do forro do casaco. Aproveito o silêncio da zona, apenas interrompido por algum carro que passava. Reparo que nas traseiras do apeadeiro está uma unidade fabril, estranho o silêncio. Pois, é Domingo, as fábricas costumam estar paradas! Só é pena as pinturas rupestres feitas por algum asinino nas paredes do apeadeiro…
Reparo de passagem no apeadeiro de Oura, junto à estrada. Mas sigo, está bastante degradado, aproveito para ir adiantando caminho. Chego a Pedras Salgadas e a Estação está uma pequena maravilha. Aproveitada para o transporte rodoviário, mas mantém os seus elementos característicos ferroviários.
Passo Nuzedo, acompanho de vista o traçado ferroviário agora transformado em ciclovia. Sei que para ir ver o apeadeiro, teria de entrar numa ruela à direita. Fica para a próxima…
Em Vila Pouca de Aguiar faço o primeiro de muitos desvios que iria fazer (voluntária ou involuntariamente) da N2. Afinal, de memória sei que se fosse direito à Estação, seguindo a rua apanharia a Nacional mais adiante. Mas valeu pela foto à Estação! E pelo cagaço de quase cair quando encostei e não reparei que a berma era um pouco mais alta!
A partir daqui, esqueço-me da Linha do Corgo. Teria de desviar várias vezes para a esquerda e o tempo começa a escassear. Aproveito as rectas para andar a uns agradáveis 70/80, mais não convinha que o São Pedro está novamente armado em parvo!
Entro nas curvas uns bons 15 km’s antes de Vila Real. A velocidade média abranda e bastante. Não conheço o traçado, está temporal, a viseira embacia muito facilmente. Calma daqui em diante…
À entrada de Vila Real, ligo o telefone novamente. Dá-me hora prevista de chegada às 19.30 sem portagens. Óptimo! Como está praticamente carregado de bateria, começo a guiar-me por ele. Mas não dura muito – logo em frente à tropa, manda-me virar à esquerda – e eu quero virar pela direita, pelo menos para seguir o traçado original.
Assim que entro nas curvas em direcção a Santa Marta de Penaguião ( que pela sinaléctica me dizia que estava ali perto), deparo-me com uma das melhores vistas da viagem – as escarpas das vinhas do Douro. Que espectáculo!!! E anda por aí tanta gente que só gosta de ir ao estrangeiro…!
Antes de Lamego, a foto da primeira centena de km’s… da EN2!
À entrada de Lamego, ponho-me a pensar: esta variante na parte de baixo é recente, logo a Nacional original não seria por aqui. Quando chego a um cruzamento, olho para a direita e tiro a dúvida – a sinaléctica antiga ainda ali está, logo era por aqui de certeza!
Não podia faltar a bela foto ao fundo das escadinhas do Santuário!
Manda-se a mensagem à família que ainda iria demorar cerca de uma hora. Como estava enganado! A previsão antes de Vila Real era de chegada cerca das 19.30, já era quase 20.00. Agora tenho de descobrir a entrada certa para a continuação da EN2. Da última vez que aqui estive andei à procura da AE e dei por mim na Nacional. Mas por onde entrei, não passava no meio das escadinhas e no mapa fixei que a Nacional saía de Lamego precisamente por aí. Lá a encontrei e fui todo pimpão por aí fora – mais um desafio superado, andei em calçada, com chuva e não caí do cavalo abaixo!
Começou a parte pior da viagem. Chuva incessante, vento, ventinho e rajadas, escuridão a cair… Agora sei a sensação de se estar dentro de uma máquina de lavar! Umas rectas que em tempo seco as faria a uns bons 110/120, estou a fazer a 40/50.
A chegar a Castro Daire, perdi o Norte. Pessimamente mal sinalizado, sem indicações logo na primeira rotunda. Apelei à memória, mas ela já tinha ido dormir. Segui em frente, não me pareceu o caminho correcto. Voltei para trás para a rotunda, dei por mim dentro de algures de Castro Daire. Sinaléctica para Viseu? Nada! Continuo por ruas que nunca passei na vida, a algum lado irei ter! Agora em casa, depois de consultar os mapas, sei que não cumpri com o itinerário, já nem sei bem por onde andei – apenas sei que já depois do perímetro urbano descubro uma placa a indicar Viseu (os habitantes de Castro Daire não devem gostar dos seus homólogos beirões!).
Faço conta aos km’s e à gasolina que me resta no depósito. Convém abastecer... Eis que encontro um posto aberto – já nem me interessava a marca para o desconto, só queria ter combustível suficiente para chegar à “terra”. Episódio engraçado: “Amigo, tem café quentinho?”; “Não, aqui só temos binho fresquinho!”. Depois de uma risada, dois dedos de conversa e diz-me que ainda no dia anterior viu passar para cima uns 3 ou 4 motões a fazer a Nacional – mas aqui encadeia-se com a conversa que iria ter no dia seguinte… Votos de boa viagem, com muita calminha que o tempo não convida e faço-me ao caminho. Nova mensagem à família que ainda teria cerca de 30 km’s e aí vou eu.
Se me recordo de mais alguma coisa da Estrada? Nada, apenas quero chegar, os meus sinais de alarme já soavam incessantemente dentro da cabeça, estou completamente enregelado; a camisola que tinha posto na mala lateral já não iria fazer nada, visto que as únicas partes que não estavam encharcadas eram os pés, a cabeça e as mãos (bendito truque das luvas de látex que me ensinaram!). Sim, essas partes também estavam encharcadas! Mas enquanto sentisse as mãos e os pés quentes, era sinal que não estava a entrar em hipotermia…
Esqueci-me do meu próprio conselho; a uns 5 km’s da “terra”, estou a entrar numa rotunda a travar. A falta de sensibilidade resultante das botas e sobre-botas deve-me ter feito carregar a mais na travão traseiro e, quando dei por mim, estava a fugir de traseira. Larga tudo, endireita-te e entra a direito na rotunda… em contramão!
Lareira quentinha à minha espera e um resto de serão agradável. Será que amanhã terei melhor sorte?
PS: As fotos ainda estão dentro da máquina, o tempo de escrita tem sido no escritório, numa pausa ou outra